‘Não adianta ser uma empresa rica num país pobre’, diz próximo presidente do Bradesco
Para Octavio de Lazari Junior, bancos precisam conviver com juros menores
No dia 12 de março, o executivo Octavio de Lazari Junior, 54, vai assumir a presidência do Bradesco. Com 40 anos de casa, ele diz acreditar que está na hora de os bancos brasileiros aprenderem a conviver com taxas de juros baixas.
“É lógico que os bancos têm um ganho importante com os juros altos, mas não adianta ser uma empresa rica num país pobre”, disse à Folha. Lazari afirma que o segredo é a escala: se conseguir emprestar para mais brasileiros, o sistema financeiro continuará rentável.
Ele já vê sinais de recuperação da economia brasileira e diz que o Bradesco “está pronto para emprestar” à medida que a demanda por crédito se recuperar. Também está otimista sobre a continuidade das reformas, apesar da proximidade das eleições. “Independentemente de quem seja o presidente, a agenda para o país é igual.”
Folha – O senhor está assumindo o Bradesco após uma recessão intensa, que quebrou empresas e provocou perdas para os bancos. Isso acabou?
Octavio de Lazari Junior – Os últimos cinco anos foram piores até que a crise de 2008. Grandes empresas sofreram bastante e uma parte das pequenas e médias companhias ficou pelo caminho.
Felizmente, não só o Bradesco, mas todo o sistema financeiro, teve musculatura para assimilar essas perdas. Isso foi absorvido pelos balanços, e todos estão bem.
As pessoas físicas também foram muito impactadas pelo desemprego, que afetou 14 milhões de brasileiros. Resumindo: passamos por um momento crítico, mas já acalmou.
O senhor vê os sinais de recuperação da economia?
Sim. No mês de janeiro, as pessoas voltaram a gastar mais com o cartão de débito, que é a primeira modalidade que se recupera, e os gastos também começaram a crescer no cartão de crédito. As taxas de juros caíram para 6,75%, o desemprego parou de crescer, não há nenhuma evidência de alta da inflação. Tudo isso é muito bom num momento de recuperação da economia.
Os bancos, no entanto, continuam receosos em oferecer mais crédito. Por quê?
Estamos prontos para emprestar e temos caixa para isso, mas precisa haver demanda. A recuperação é recente. As pessoas conseguiram emprego, mas ainda têm medo do que possa acontecer.
Projetamos um crescimento entre 4% e 7% do crédito neste ano, o que não é exacerbado. Planejamos trabalhar com o patamar mais alto.
A taxa Selic caiu, mas as taxas cobradas pelos bancos não acompanharam. Por quê?
Os juros vão cair. A queda da Selic foi muito rápida por causa da recessão. Em menos de 12 meses, a taxa saiu de 14,25% para 6,75%. Não tenho nenhuma dúvida de que vamos ver uma redução nos juros do crédito imobiliário e de outras modalidades no primeiro trimestre deste ano.
É lógico que os bancos têm um ganho importante com taxas de juros altas, mas não adianta ser uma empresa rica num país pobre. Temos de aprender a conviver com taxas de juros baixas. É importante para o Brasil. O sistema bancário dos países desenvolvidos opera com juros baixos. Os resultados são bons, dão retorno aos acionistas. Como eles fazem isso? O segredo é ampliar a base da pirâmide.
Somos um país de 200 e tantos milhões de habitantes. Todo o mundo precisa de crédito para comprar casa, carro, celular. O problema é que oferecemos esses produtos para um público pequeno. Se chegarmos a 50% da população em vez de atender apenas 10%, as taxas de juros podem ser menores, porque você ganha na escala. E, com juros menores, mais pessoas vão pegar dinheiro emprestado para realizar os seus sonhos.
O BNDES reduziu presença no financiamento à infraestrutura. Os bancos comerciais vão finalmente entrar nessa área?
Não tinha como a gente entrar antes. O financiamento da construção de portos, aeroportos e outras obras de infraestrutura é de longo prazo. Com taxa de juros de 14%, era impossível. Agora poderemos captar dinheiro com os clientes para esse tipo de operação.
O BNDES vai continuar fazendo o papel dele de financiar a infraestrutura, mas os bancos também podem entrar. Vamos buscar dinheiro fora do país, utilizar o caixa do sistema financeiro. Temos riqueza para isso. Basta que as condições do mercado permitam.
A economia está se recuperando, mas a situação das contas públicas continua muito ruim. O que vai acontecer com o mercado se a reforma da Previdência não sair neste ano?
Temos convicção de que a reforma da Previdência é necessária. Certamente não será a reforma dos nossos sonhos, mas o primeiro passo será dado. Em qualquer lugar do mundo, não dá para tomar o remédio todo de uma vez.
Sei que parece contraditório. Está difícil aprovar a reforma, mas as Bolsas continuam em alta. A questão é que o mercado enxerga que as lideranças políticas já perceberam que a reforma é necessária. Independentemente de quem seja o próximo presidente, a agenda para o país é igual.
O cenário eleitoral nunca esteve tão indefinido. O senhor espera volatilidade no preço dos ativos até as eleições?
Veja o que ocorreu nos EUA [na segunda, 5]. Houve uma pequena expectativa de alta da inflação, e a Bolsa caiu. Acredito até que foi uma realização de lucros, porque havia subido demais. Ou seja, é claro que vai ocorrer um pouco de volatilidade no Brasil, mas não tão grande como já vimos no passado. A taxa de juros está baixa, a inflação vem controlada e os preços das commodities permanecem sem grandes variações. A transição deve ser mais tranquila.
Qual será o seu maior desafio à frente do Bradesco?
Continuar o legado do seu Aguiar [Amador Aguiar], do Brandão [Lázaro Brandão], do Trabuco [Luiz Carlos Trabuco Cappi]. Manter o time unido e as unidades de negócio focadas na entrega de resultado para os acionistas. Esse é o desafio que reúne todo o nosso compromisso.
Mas temos também os desafios do dia a dia. Um deles é aumentar a proximidade com o cliente e perenizar o relacionamento com o banco e todas as suas empresas –cartões, varejo, alta renda, seguradora.
Por exemplo: compramos o HSBC e fizemos um trabalho muito bom de sinergia de despesas, para o qual é necessário determinação. Já para obter sinergia de receita é preciso ter talento para trazer os clientes para a organização.
Outro grande desafio é trabalhar as quatro gerações de clientes –boomers (mais de 70 anos), baby boomers (50 a 70 anos), millennials (30 a 50 anos) e geração Z (menos de 30 anos). A tecnologia é extremamente importante para atender os clientes pelo celular e pelo computador, mas não podemos esquecer aqueles que precisam de atendimento mais personalizado. O banco não é um lugar em que o cliente compra um produto e vai embora. É um lugar de relacionamento.
A tecnologia promoveu o surgimento de fintechs [empresa financeiras digitais]. Elas são uma ameaça para os bancos?
Existem muitos empreendedores no mundo, que têm uma boa ideia e conseguem público para os seus produtos. Em vez de se preocupar em criar barreiras ou muros para a continuidade dessas empresas, temos de construir pontes. É inexorável.
Estamos trazendo as fintechs e venture capital [investimento em empreendedorismo] para desenvolver produtos em parceria com o banco. É um ambiente de ebulição. O banco vai se aproveitar –no bom sentido– desse convívio.
Para crescer nessa área, o Itaú adquiriu a XP. Existe outra XP para ser comprada hoje no mercado?
Não. A XP é uma ideia fabulosa, que ocupou um espaço no mercado que talvez a gente não soube aproveitar naquele momento. Mas temos como desenvolver isso.
O que é a XP? É uma plataforma aberta na qual você pode fazer investimentos em vários papéis de diferentes emissores. O banco pode fazer isso? Sim, pode. E até já implementamos isso no segmento private e na alta renda.
Mas é preciso rigor para selecionar produtos e serviços de terceiros. Quando um cliente compra um produto dentro do Bradesco, está adquirindo a nossa chancela.
Qual o cenário para criptomoedas? Podem realmente revolucionar o setor financeiro?
Acredito que vai ter mercado para criptomoedas, bitcoins, mas não a ponto de substituir o que existe hoje. É um nicho. Aposto mais no crescimento do mercado de certificado de recebíveis imobiliários, de letras financeiras imobiliárias, certificados de recebimento do agronegócio. Tudo isso é tangível. O Brasil ainda precisa financiar muita coisa na economia real.
Formação
> Economista pela Faculdade de Ciências Econômicas e Administrativa de Osasco
> Especialização em marketing e finanças pela FIA, pela Fundação Dom Cabral e pela Iese
Carreira
Entrou no Bradesco em 1978
Foi executivo e diretor de varejo, alta renda, crédito, financiamento, consórcio > Mesmo assumindo a presidência, fica no comando da Bradesco Seguros
Fonte: Folha.com / CONTEC