Mesmo com lucros bilionários, Itaú, Bradesco e Santander demitem em plena pandemia
Mesmo com lucro médio semestral superior a R$ 5 bilhões, mais de 1.400 funcionários já foram desligados das instituições nos últimos dois meses
Em um movimento que inclui até mesmo o fechamento de 40 agências, o Santander já demitiu pelo menos 1.040 funcionários
Logo nos primeiros dias de março, a preocupação tomou conta de Ramon Peres, presidente do Sindicato dos Bancários de BH e Região. O motivo era o aumento de casos da Covid-19 e a já esperada crise econômica que afetaria o Brasil. Por isso, antecipando os problemas, lideranças sindicais como Ramon buscaram estabelecer um acordo com as instituições financeiras para garantir a permanência dos empregos e a segurança dos trabalhadores durante a pandemia. “Desde o início, os sindicatos, as federações e a Confederação correram para conversar com os bancos com o objetivo de salvaguardar a vidas dos bancários e de seus familiares. Desde o primeiro momento, pedimos para que as instituições garantissem que não demitiriam durante a pandemia. Esse período é muito complicado na história da humanidade, e entendemos que não poderíamos colocar o trabalho das pessoas em xeque no momento em que elas mais precisam do emprego”, conta Peres.
O compromisso, firmado entre as entidades e os principais bancos, foi estabelecido sob o discurso de responsabilidade social das instituições. No entanto, na prática, o acordo não está sendo respeitado. O grande problema é que, nos últimos dois meses, ao menos 1.400 empregados bancários já foram desligados de suas funções em todo o país. Apenas no Santander, por exemplo, foram 1.040 demissões desde o mês de agosto, em um movimento que inclui até mesmo o fechamento de 40 agências. A empresa não justifica os motivos para os desligamentos e exclui qualquer possibilidade de negociação ou reversão da decisão. “Nós somos veementemente contra as demissões. O Santander quebrou o compromisso de forma unilateral e começou a demitir pessoas sem argumentos. Queremos que eles cumpram com a sua palavra e não demitam as pessoas. Nós não saímos da pandemia, os números mostram isso. São mais de 146 mil mortes [pela Covid-19] no Brasil. Nós estamos em plena pandemia ainda”, argumenta Peres.
No entanto, a onda de demissões, assim como a quebra no compromisso firmado no início de março, não se limita ao Santander. No mês de setembro, o Itaú Unibanco também iniciou uma série de desligamentos em seu quadro de funcionários. Ao todo, segundo dados citados por Ramon Peres, foram mais 300 empregados demitidos. Aos sindicatos, o banco alega que as demissões aconteceram apenas na área de veículos da empresa. Entretanto, Ramon afirma que os desligamentos também atingem funcionários de agências. “Eles dizem que são demissões pontuais, mas vemos o contrário. Eles estão demitindo pessoas que têm performance de vendas, que cumprem as suas metas. O que nós vemos é uma diminuição nos postos de trabalho. E o banco Itaú, fazendo essas demissões, já anunciou o fechamento de sete agências em Minas Gerais. É uma reestruturação nos postos de trabalho devido à pandemia.”
As recentes demissões feitas pelos dois bancos geraram uma onda de movimentos e manifestações pela internet. Com hashtags como #itaunaodemita, #Itaunaodemitameuspais, #SantanderPareAsDemissões, funcionários, ex-funcionários das instituições, sindicatos e até clientes dos bancos cobram responsabilidade social das empresas. Nas publicações, os participantes do movimento alegam que a postura das companhias vai contra as propagandas feitas ao público, em que os bancos ressaltam sua responsabilidade frente à pandemia. “A gente vê com muita estranheza esse posicionamento dos bancos. Em março, os sindicatos e a Febraban fizeram várias discussões para que houvesse avanços na proteção dos bancários e no atendimento à população. Havia um compromisso de manter esses empregos. Por isso, entendemos que durante todo o estado de calamidade pública, esse compromisso tem que ser garantido e os bancários não podem ser demitidos”, diz Jeferson Rubens Boava, presidente da Federação dos Empregados em Estabelecimentos Bancários dos Estados de São Paulo e Mato Grosso do Sul (FEEB-SP/MS).
Nesse mesmo sentido, outro banco que iniciou uma sequência de demissões nesta semana foi o Bradesco. Segundo o sindicato dos bancários de BH e região, a empresa enviou um comunicado, intitulado “Concessão de Benefício Adicional no Desligamento”, informando que os trabalhadores demitidos durante o período de 21 de setembro a 30 de novembro, sem justa causa, terão os planos de saúde e odontológico mantidos por seis meses a mais do previsto pela Convenção Coletiva de Trabalho (CCT) da categoria. Ao todo, os sindicatos estimam que pelo menos 70 funcionários já tenham sido demitidos.
Jeferson Boava defende que não há justificativas para os cortes, já que as três empresas registraram lucros bilionários durante os primeiros seis meses deste ano. “Com a pandemia, todo setor encontrou dificuldades. Só que os bancos não querem enfrentar dificuldades. Eles querem manter o nível de lucro deles com corte de funcionários, com aumento de tarifas, encontrando um jeito de se reposicionar no mercado, mantendo, assim, o lucro deles”, afirma. Segundo levantamento da Economatica, empresa de informações financeiras, Bradesco, Itaú e Santander registraram, respectivamente, lucro de R$ 6,85 bilhões, R$ 6,74 bilhões e R$ 5,8 bilhões no primeiro semestre de 2020, sendo o Bradesco considerado a empresa latina que mais lucrou no período.
Transformação digital
Sem grandes justificativas, os motivos para os desligamentos se tornaram uma grande incógnita para os agora ex-funcionários e para as lideranças sindicais. No entendimento de Peres, o movimento é impulsionado pela transformação digital nos bancos, embora considere que o objetivo central das demissões é a redução de custos. No geral, Peres entende que a mudança prejudicará os clientes e impactará negativamente na rotina dos funcionários. “A tecnologia nunca vai substituir o atendimento humanizado, a qualidade do atendimento humanizado é muito superior ao ser atendido por um robô. O problema é que os bancos consideram que, quando estão passando por alguma dificuldade, quem tem que pagar a conta é o trabalhador. Investir em tecnologia é uma tentativa de diminuir os gastos com folha de pagamento. Hoje, uma abertura de conta feita de forma digital é seis vezes mais barata do que se feita de forma física, por exemplo. Então, eles investem em tecnologia com a intenção de diminuir os custos e elevar o grau de eficiência.”
Jeferson Boava, presidente da FEEB-SP/MS, também vê a postura dos bancos como uma manobra para reduzir custos. Ele pondera que, além de prejudicar os clientes e trabalhadores, a diminuição no quadro de funcionários também pode impulsionar a formação de aglomerações nas agências. “Eles vão fechar agências e então a população mais humilde, que é a que mais precisa e tem mais dificuldade com tecnologia, vai ser atendida como? Isso vai intensificar filas. Nesse período de pandemia, considero que fechar agências é um erro, porque vai provocar aglomerações. O banco é uma concessão pública, então eles têm essa responsabilidade social de estar atendendo toda a população.”
Em pronunciamento enviado à Jovem Pan, a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) afirmou não ser possível dizer, até o momento, “que haja relação direta entre o processo de transformação digital dos bancos e a redução do número de pessoas que atuam no setor”. Segundo eles, “avanço dos serviços digitais tem levado os bancos a contratarem um grande volume de profissionais”, especialmente em áreas relacionadas com tecnologia e segurança contra fraudes digitais, cita a nota. “Cada instituição financeira tem sua própria política para contratação de pessoas com base em sua visão de mercado e estratégia de negócio”, finaliza o comunicado.
Também em nota enviada à reportagem da Jovem Pan, o Itaú Unibanco informou que retomou em setembro “alguns processos internos que estavam suspensos na área de pessoas desde março, em razão da pandemia da Covid-19”. De acordo com eles, os processos incluem demissões e contratações de pessoas, o que representam movimentações “que fazem parte da retomada da rotina normal do banco”. A empresa não confirmou o número total de demissões e disse que não divulgaria a informação. Ao ser questionado sobre os desligamentos recentes, o Bradesco afirmou que não vai comentar o assunto. O Santander não respondeu aos questionamentos da reportagem.
Fonte: Jovem Pan / Feeb SP/ MS