Selic lá embaixo, juros lá em cima: por que os bancos vão na contramão
Novo corte na taxa de juros dependerá de consolidação de cenário para inflação baixa.| Foto: Marcelo Andrade/Gazeta do Povo (Por Vandré Kramer)
Há pouco menos de um mês, em 31 de julho, o Comitê de Política Monetária reduziu a taxa básica de juro – a Selic – para 6% ao ano, o menor nível histórico. Mas as taxas cobradas pelos bancos ainda não chegaram nesse patamar. O juro médio cobrado das empresas é de 15,08% ao ano e a das pessoas físicas, 31,71%, segundo o Banco Central (BC). O menor patamar de ambas as taxas foi em dezembro.
O ritmo da queda das taxas cobradas pelas instituições financeiras não segue o ritmo da Selic. Entre agosto de 2016 e junho de 2019, a Selic passou de 14,25% ao ano para 6,5% ao ano. A queda foi de 54,4%. No mesmo período, os juros para as empresas caíram 32,1% e, para as pessoas físicas, 24,6%.
Mas por que os juros cobrados pelas instituições financeiras não acompanham o ritmo da Selic?
Segundo o vice-presidente de pesquisas da Associação Nacional de Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac), Miguel Ribeiro de Oliveira, outros fatores também pesam no custo do dinheiro: a cunha fiscal, formada pelos compulsórios e pelos impostos; as despesas administrativas; a margem líquida dos bancos e a inadimplência.
O peso do calote e do spread
Um estudo apresentado nesta quarta-feira pelo presidente do Banco Central no Congresso, Roberto Campos Neto, mostra que 37,2% do spread bancário (a diferença entre o que o banco cobra de seus clientes e o que pega emprestado) é formado pela inadimplência. Outros 27,4% são despesas administrativas. E o restante é composto por tributos, Fundo Garantidor de Créditos (FGC) e a margem líquida dos bancos.
Segundo o Banco Mundial, o Brasil tem o segundo maior spread bancário, atrás apenas de Madagascar, uma economia 154 vezes menor, de acordo com dados do Fundo Monetário Internacional (FMI).
Apesar da inadimplência ter caído no período – passando de 3,64% da carteira, em agosto de 2016 para 2,93%, em junho -, o pesquisador Marcel Grillo Balassiano, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV), aponta que os bancos têm dificuldades para recuperar os calotes.
Países emergentes levam, em média, 1,7 anos para recuperar 52,7% do crédito não pago. O desempenho do Brasil é bem pior: são necessários quatro anos para recuperar 14,6% dos recursos, aponta o estudo apresentado por Campos Neto. “Isto causa insegurança jurídica”, diz o pesquisador.
Outro fator que contribui para segurar a inadimplência, de acordo com Ribeiro de Oliveira, são as condições econômicas: a economia está desaquecida, com projeção de 0,83% de crescimento para 2019; o desemprego está elevado e há mais de 60 milhões de negativados nos bureaus de crédito, diz ele.
O vice-presidente da Anefac aponta que outros dois fatores que influenciam na manutenção das altas taxas são a concentração bancária e o pequeno peso do crédito no PIB. 72% da carteira de crédito consolidada estava nas mãos de cinco bancos no final do ano passado. Em 2000, era 59,7%, segundo dados do Banco Central.
Queda distante no curto prazo
E mesmo com a expectativa de novos cortes na Selic, Balassiano diz que os juros para os clientes não devem mudar muito. Pesquisa feita pelo Banco Central junto a instituições financeiras projeta que a taxa básica deverá encerrar 2019 em 5% ao ano.
“No curto prazo, as taxas deverão diminuir mais um pouco, mas não no ritmo da Selic”, destaca o pesquisador. Mas, tanto ele, quanto Oliveira veem uma situação mais favorável no longo prazo.
Um dos aspectos que pode influenciar é a tendência à melhoria do ambiente econômico, com a tramitação da reforma previdenciária, que pode melhorar a situação fiscal do país. “Estamos há cinco anos com déficit primário”, lembra Balassiano. Outra ajuda pode vir da reforma tributária.
Ele aponta que esse conjunto de medidas deve contribuir para melhorar o ambiente macroeconômico, o que pode impactar na redução do desemprego e na queda da inadimplência. “Não existe uma bala de prata que resolva a situação de imediato.”
Oliveira, da Anefac, lembra que o cenário competitivo também está começando a mudar, com a entrada das fintechs oferecendo contas sem tarifa. O cadastro positivo deve ajudar a dar um empurrão na redução dos juros, mas é preciso de seis a 12 meses de funcionamento para ter um histórico e operar na prática.”
Fonte: Gazeta do Povo / CONTEC