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janeiro 18, 2019

Governo Federal tem até abril para definir regras do salário mínimo

Com o fim da vigência da lei aprovada em 2015, Executivo fica livre para definir se haverá reajuste anual e, em caso positivo, como ele será calculado; mudança afeta 48 milhões de brasileiros.

O reajuste do salário mínimo anunciado no primeiro dia de governo Bolsonaro, de R$ 954 para R$ 998, impactou diretamente a vida de pelo menos 48 milhões de brasileiros.

Esse é o número estimado pelo Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos) de pessoas que têm a renda referenciada no mínimo, seja porque esta é sua remuneração ou porque recebem aposentadoria ou pensão do INSS.

O valor sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro é R$ 8 inferior ao que já havia sido aprovado pelo Congresso no Orçamento enviado pela equipe de Temer, R$ 1.006.

A mudança gerou insatisfação em muita gente, mas estava dentro da lei: levou em consideração o PIB (Produto Interno Bruto) de dois anos antes – o de 2017, que foi de 1% – e a inflação do ano anterior – o INPC (Índice Nacional de Preços ao Consumidor) em 2018, que será informado apenas no fim deste mês e que foi estimado em 3,6%.

A proposta feita pela equipe de Temer incorporava uma projeção mais elevada para a inflação de 2018, de 4,2%.

Desde 2011 o Brasil usa a mesma fórmula para o cálculo. Ela foi negociada pelas centrais sindicais ainda no governo Lula, adotada por volta de 2008 e formalizada em lei no governo Dilma Rousseff. A medida, com duração de 4 anos, foi renovada em 2015 e perde a validade neste ano.

O salário mínimo é uma medida importante não apenas no Brasil ou em países com alto nível de pobreza – nos últimos anos, ele tem sido tema nacional de debate inclusive em países desenvolvidos.

Parte dos economistas acredita que, em um mundo em que os sindicatos perdem cada vez mais relevância e os laços entre empresas e empregados se tornam mais etéreos, a existência de um patamar mínimo de renda fixado pelo Estado é um importante mecanismo para evitar o aumento da desigualdade.

Outros defendem que um valor estipulado por lei como nível mínimo das remunerações desestimula contratações formais, na medida em que torna mais cara a folha de pagamentos das empresas, e, por isso, aumenta o desemprego.

O que vai acontecer com o salário mínimo daqui para frente?
Em tese, o novo governo tem até abril para definir se mantém a regra atual ou se propõe algo diferente.

Com o fim da vigência da lei aprovada em 2015, o Executivo fica livre para definir se haverá reajuste anual e, em caso positivo, como ele será calculado – se baseado apenas no índice de inflação, por exemplo, em vez da fórmula “inflação mais PIB”.

Abril é o prazo para que o Executivo envie ao Congresso a proposta de Orçamento para 2020 – e, como o salário mínimo é base para uma série de pagamentos da União, como as aposentadorias, a equipe econômica precisa estipular seu valor para ter uma dimensão de quanto vai gastar. Na prática, o governo teria até o fim do ano para formalizar a mudança através de um projeto de lei.

Uma das questões em torno do salário mínimo é justamente seu impacto sobre as finanças do governo. A Constituição de 1988 o fixou como piso dos benefícios pagos pelo INSS, pela assistência social e para o seguro desemprego.

O Dieese estima, por exemplo, que cada real de reajuste no salário mínimo aumenta em cerca de R$ 302 milhões os gastos da Previdência em um ano.

Ao contrário do reajuste em si, que deve ser proposto por meio de Projeto de Lei, a indexação do salário mínimo aos benefícios previdenciários e assistenciais só poderia ser modificada por meio de uma PEC (Proposta de Emenda Constitucional), que exige apoio mais amplo do Congresso para ser aprovada.

Algumas das propostas de reforma da Previdência apresentadas durante a transição de governo ao ministro da Economia, Paulo Guedes, contemplam essa desvinculação – entre elas está o estudo apresentado pelos economistas Paulo Tafner e Armínio Fraga e outro entregue pela Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas) com apoio de entidades previdenciárias.

“Esse vai ser um debate simultâneo ao do financiamento da Previdência”, diz Clemente Ganz Lúcio, diretor técnico do Dieese. A entidade, mantida pelo movimento sindical, defende a manutenção do vínculo entre salário mínimo e benefícios pagos pelo INSS para “garantir certa distribuição da riqueza” produzida pelo país e um nível mínimo de renda para as classes mais baixas.

“Isso (o reajuste pela regra atual e a indexação) é insustentável indefinidamente (do ponto de vista das contas públicas)? Pode ser, mas o salário mínimo já é muito aquém do necessário”, ele afirma. O Dieese estima em cerca de R$ 3.960,00 o “salário mínimo necessário”, que atenderia necessidades básicas de uma família conforme estabelecido na Constituição, como moradia, alimentação, educação, saúde e transporte.

Para especialistas como o professor da FGV-EBAPE Kaizô Beltrão, não faz sentido que as aposentadorias e pensões sejam reajustadas pela mesma regra que corrige os salários de quem está na ativa. “O reajuste deveria ser apenas a reposição da inflação, já que o discurso do salário mínimo é o de (incorporação nos salários dos) ganhos de produtividade”.

Uma década de redução da desigualdade
A valorização do salário mínimo é apontada como um dos motores por trás da redução da desigualdade que o Brasil assistiu entre 2004 e 2015.

Seu valor, que correspondia a cerca de 25% da renda média no país em 1995, saltou para mais de 40% recentemente, destaca o coordenador do Centro de Políticas Públicas (CPP) do Insper, Naercio Menezes Filho.

O economista lembra que, pela regra atual, o mínimo praticamente não sofreria aumento real pelos próximos dois anos. Isso porque o crescimento esperado para a economia para 2018 e 2019 – o PIB, variável que compunha o cálculo junto com o INPC – ainda é modesto.

“A questão seria se a economia voltar a crescer, quando a regra pode ter impacto forte sobre as contas públicas”, ele pondera. Nesse sentido, ele avalia que uma boa fórmula, “mais cautelosa”, levaria e conta a inflação mais crescimento do PIB per capita, em vez do PIB em si.

Visto por muitos especialistas como indicador de bem-estar, o PIB per capita é a razão entre a riqueza produzida pelo país e seu número de habitantes – e, por isso, costuma variar menos do que o PIB. “O que não pode acontecer é voltar ao que já aconteceu, quando o salário mínimo chegou a ficar sem qualquer reajuste”, defende o especialista.

A polêmica do salário mínimo nos países desenvolvidos
Depois de 15 anos de discussões, a Alemanha instituiu seu salário mínimo nacional em 2015. Até então, o que valiam eram os pisos salariais negociados por cada categoria com as entidades patronais.

Demanda antiga do Partido Social Democrata (SPD), ele entrou na pauta do Legislativo quando os democrata-cristãos (CDU) da sigla da chanceler Angela Merkel tiveram de fazer uma ampla coalizão com o partido rival em nome da governabilidade.

O salário mínimo de 8,5 euros por hora – reajustado para 9,19 euros por hora em 2019 – foi adotado sob forte oposição das empresas. Na época, uma estimativa do Deutsche Bank projetava a perda de cerca de 400 mil postos de trabalho por causa da medida, que teoricamente tornaria alguns funcionários caros demais para as empresas.

Até o ano passado, a comissão formada por representantes das empresas, de sindicatos e da academia, a Mindestlohn Komission, não havia encontrado evidências de impacto significativo. “Em um nível macroeconômico, a introdução de um salário mínimo estatutário não mostrou efeitos mensuráveis em indicadores padrão de competitividade como custo do trabalho, custo unitário do trabalho, produtividade e lucro”, diz o documento divulgado em junho de 2018.

“O salário mínimo virou uma forma de tentar proteger a renda dos mais pobres”, diz Naercio Menezes Filho, do Insper. Também nos países desenvolvidos os sindicatos, que já tiveram grande poder de barganha para negociar salários, têm perdido força. O número de empregados na indústria diminui e o do setor de serviços, mais pulverizado e com menor representação sindical, só aumenta.

Nos Estados Unidos, pontua o economista, a queda nos salários reais – ou seja, quando descontada a inflação – nos últimos anos ajuda a explicar o aumento da desigualdade no país. E é por isso que o debate sobre salário mínimo também está em ebulição entre os americanos.

Um dos exemplos com maior repercussão é o da cidade de Seattle, que aprovou em 2014 uma lei que aumentava o salário mínimo de US$ 9,47 por hora para US$ 15, o dobro do piso federal na época. A justificativa foi o avanço da desigualdade de renda e da pobreza na cidade desde a crise financeira de 2008.

Fonte: G1 / CONTEC