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setembro 27, 2019

Como os bancos ganham dinheiro com os juros baixos

A taxa básica de juros, a Selic, caiu ao menor nível da história na semana passada – é agora de 5,5% ao ano. E deve cair mais, podendo fechar 2019 abaixo de 5%. Temos hoje a menor taxa real de juros desde o início do Plano Real, pelo menos. É uma redução suficiente para provar que não é da Selic alta que vivem os bancos.

Muita gente dizia que o Brasil era o “paraíso dos rentistas” por causa dos juros altos e que os bancos aqui lucravam com uma espécie de benesse estatal via taxa Selic. Se fosse verdade, veríamos os investidores correndo das ações dessas empresas. Isso não ocorreu e, mesmo em um cenário de juros em queda, os papéis dos maiores bancos estão sendo negociadas em níveis próximos da máxima dos últimos cinco anos – o lucro das maiores instituições cresceu 21% no primeiro semestre deste ano.

Mais interessante ainda é o fato de que possivelmente os bancos consigam ganhar mais dinheiro com os juros baixos. Afinal, a taxa Selic baliza o preço da captação de recursos no mercado. Quanto mais baixa, menor o custo inicial para o sistema financeiro. Os juros menores também estão atrelados a uma menor inadimplência, já que no fim as parcelas dos financiamentos também são menores.

Bancos ganham dinheiro com uma combinação de intermediação financeira e tarifas, basicamente. O negócio deles não é emprestar para o governo, embora a remuneração via títulos públicos faça parte de seu portfólio. Mas o coração do trabalho bancário é outro: captar recursos para fazer empréstimos para quem precisa e gerir os investimentos de seus clientes.

A partir disso, podemos deduzir que o lucro de uma instituição só cai quando há uma redução geral da diferença entre custo de captação e juros dos empréstimos; ou quando as tarifas bancárias são reduzidas (tanto da manutenção de contas quanto a da gestão de recursos, como fundos de investimento). Nos dois casos, o que importa é a competição.

O spread bancário, que mede a diferença entre custo de captação e juros de empréstimos, se mexeu pouco nesse ciclo de afrouxamento monetário. Segundo dados do Banco Central, o spread para empréstimos com recursos livres é de 31,4 pontos percentuais. Alto ainda quando comparamos com os 20,9 pontos percentuais de junho de 2013, pouco antes de começar a recessão.

A retração econômica, aliás, fez com que os bancos tivessem de aumentar bastante os spreads para compensar a alta na inadimplência. O ponto mais alto dos últimos anos foi em fevereiro de 2017, de 43,3 pontos percentuais. Além da taxa básica de juros, compõem o spread custos tributários, operacionais e, claro, a margem das instituições financeiras.

As tarifas, outra fonte importante de receitas, vêm sendo reajustadas com frequência pelos bancos. Um levantamento recente do Idec, um instituto de defesa do consumidor, constatou uma correção de 14% nas tarifas de serviços bancários entre 2017 e 2019, o dobro da inflação. Segundo o Banco Central, houve um crescimento de 20% nas receitas com tarifas bancárias de 2016 a 2018.

Existem também taxas cobradas para a gestão do patrimônio, como fundos (renda fixa, cambiais etc.), que também não sofrem com a queda dos juros. Investidores com pouco dinheiro pagam taxas de administração de 2%, em média, nos fundos mais simples. Embora a taxa para investidores com mais recursos tenham caído nos últimos anos, elas raramente ficam abaixo de 0,5% do patrimônio por ano. Como a procura por fundos de gestão ativa (normalmente mais caros) tende a crescer com os juros menores, há uma oportunidade de crescimento para as instituições bancárias.

Juntos, esses fatores explicam por que era errada a afirmação, comum no debate político, de que o Banco Central mantinha os juros altos para beneficiar o setor bancário – argumento, inclusive, que barrou por muito tempo a discussão sobre autonomia do BC. A Selic era alta por causa da combinação de risco-país, fragilidade nas contas públicas, distorção no mercado de crédito e herança da indexação inflacionária. Muitos desses problemas persistem, mas ficaram menos importantes no cenário de recessão profunda e juros negativos no mundo rico.

Setor precisa ganhar eficiência
Se não é verdade que há um conluio entre bancos e BC, o mesmo não se pode dizer sobre a eficiência do setor bancário. Aqui, existe um debate aberto sobre competição que está longe de ser resolvido. O consumidor brasileiro, mesmo com a queda da Selic, paga juros altos nos produtos de crédito. O Fundo Monetário Internacional (FMI) vem levantando há alguns anos a necessidade de uma reforma no setor bancário brasileiro para aumentar a competição. Um dos argumentos aqui é que cinco grandes bancos concentram mais de 80% do mercado de crédito.

Um relatório do FMI do ano passado chama a atenção para o fato de a margem líquida de juros no mercado brasileiro estar entre as mais altas em um grupo de 15 países emergentes, resultado de vários fatores, como o fato de haver crédito direcionado e a concentração de produtos de crédito em cinco instituições. “Os custos de intermediação no Brasil excede os de países semelhantes, com custos operacionais e inadimplência sendo os principais determinantes”, diz o FMI.

O Banco Central fez um estudo no ano passado no qual defende que há fatores mais importantes do que concentração e concorrência na determinação do spread, embora esse seja um ponto que possa ser melhorado. Para os autores, é preciso trabalhar na redução da inadimplência, aumentar a capacidade de recuperação de garantias e melhorar o acesso a informações sobre os tomadores. A criação do cadastro positivo é uma das ações dentro dessa agenda.

Em outra frente, o BC adotou uma abordagem pró-inovação no sistema financeiro. Fintechs têm conseguido autorização de funcionamento com alguma celeridade e recentemente foi introduzida uma novidade no sistema, as sociedades de empréstimo entre pessoas. Também é importante que tanto o BC quanto o Cade avaliem melhor operações de fusões e aquisições – um exemplo nessa linha está nas condições impostas para a aquisição de parte da XP pelo Itaú no ano passado.

Dados do BC, que reforçam seu argumento, mostram que os bancos brasileiros ainda têm retornos sobre o patrimônio substancialmente mais elevados do que em países desenvolvidos, mas em linha com outros emergentes. Aqui, a rentabilidade (ROE) foi de 14,7% no ano passado. Como comparação, há emergentes com rentabilidade próxima (Indonésia com 16,7% e China com 13,7%) e países desenvolvidos com números muito menores (Alemanha com 6,3% e Estados Unidos com 3,7%).

Para o consumidor, serviços mais baratos dependem de uma maturação do mercado, com redução de riscos para o sistema financeiro (o que leva a retornos menores sobre o patrimônio), melhorias institucionais e, sim, maior competição.”

Fonte: Gazeta do Povo / CONTEC